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SITUAÇÃO DIFÍCIL
quinta-feira, agosto 17, 2006

O sequestro do repórter da Rede Globo Guilherme Portanova (foto) e do auxiliar técnico Alexandre Calado foi mais complicado do que se pode pensar num primeiro momento. A libertação de Calado com uma gravação a ser veiculada para que o repórter fosse solto, foi uma ação muito ousada. Só me lembro de ter visto algo parecido com isso nas ações de terroristas islâmicos, que inclusive financiam algumas emissoras do mundo árabe. A gravação foi ao ar na madrugada de sábado para domingo apenas para o estado de São Paulo, na íntegra.

Minha preocupação aqui não é com a ação em si. Apesar de ousada, não é difícil de ser feita, pois existem diversos repórteres da Globo nas ruas todos os dias. A reflexão que faço é com relação a veiculação da fita. Pior do que tomar a decisão foi o pouco tempo que a Globo teve para agir. Havia uma ameaça clara a vida de uma pessoa. A veiculação era condição para a liberdade de Portanova. Diante dessa pressão, a Rede Globo cedeu. Segundo a própria emissora, o conteúdo da fita foi analisado por autoridades, inclusive, e foi exibida, pela segunda vez, agora em rede nacional, editada e com uma narração, ao invés da voz do bandido que aparecia na filmagem. Tudo para tentar conciliar os interesses dos bandidos e a libertação do jovem repórter. Essas atitudes surtiram efeito. Guilherme Portanova, por volta de meia-noite e meia de hoje (escrevo segunda, dia 14 de agosto), estava solto. Pelo menos foi esta hora que a notícia foi dada pela Globo News, em edição extraordinária.

A situação, então, é grave. A veiculação foi uma espécie de pagamento de resgate. A Globo pode tentar minimizar isto, acalmar os ânimos, mas está aberto um precedente. A emissora cumpriu a ordem dos bandidos e o jornalista foi solto. E ela pode pagar uma conta muito alta por isso. Já imaginou se resolverem sequestrar um jornalista sempre que quiserem dizer algo em horário nobre na maior emissora do país? Pronto. A bomba está nas mãos da Globo. O terrorismo chegou à imprensa e atingiu de cara uma das instituições mais poderosas. Pensou-se muito no presente, que agora é passado, mas nada no futuro, que hoje é presente. O futuro é hoje. Amanhã. Cada dia que virá. Jornalistas viraram alvo de uma tortura psicológica. Se sequestrarem outro profissional semana que vem, a Globo irá começar o Fantástico ou qualquer outro programa jornalístico de peso com outro depoimento de um marginal? Ou será que vai assumir a responsabilidade de negar a veiculação e encarar a possibilidade de perder uma vida? Entrou-se num caminho sem volta.

Como justificativa, a falta de tempo e a situação de pressão. Como herança, a "jurisprudência" a favor dos bandidos.

Lembrando, obviamente, que isso tudo aconteceu porque o Estado não garante segurança nenhuma ao cidadão atualmente. Sem falar de Rio ou São Paulo, que é, no momento, o estado que parece inteiramente dominado pelos bandidos e abandonado pelas autoridades, o caos instalou-se pela total ineficiência das políticas de segurança pública. Tudo tem corrupção, tudo tem bandidagem. Das coisas simples às complexas. Congresso corrupto, judiciário corrupto, câmaras e assembléias corruptas. Leis flexíveis. "Na dúvida, em favor do réu." O poder executivo se omite e a imprensa ascende como quarto poder acima de tudo e todos, pela carência popular de credibilidade. E agora, além de atacar a sociedade, com bombas e explosões em plena luz do dia, ataca-se a imprensa diretamente, para se conquistar o único espaço de credibilidade que ainda existe no Brasil.

Agora, é esperar e, mesmo diante das péssimas opções que temos, tentarmos votar de uma forma consciente, esquecendo o amigo da padaria, o torcedor do seu time, entre outras figuras que aparecem nesta época de eleição. E, agora falando como futuro jornalista, que consigamos sempre realizar trabalhos de interesse público, com ética e sem ameaças de bandidos ou pressões psicológicas desta natureza. Boa sorte para todos nós.
posted by S. N. @ 01:43  
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O Autor

Nome: S. N.
Local: Rio de Janeiro, Brazil
Sobre o Autor: Jornalista.

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