Acabo de assistir, como milhões de brasileiros, a entrevista da mãe de Isabella, menina que foi assassinada no dia 29 de março em São Paulo. A entrevista foi muito bem conduzida pela jornalista Patrícia Poeta, também apresentadora do Fantástico, programa em que o material foi veiculado.
O caso é de uma monstruosidade inacreditável. Segundo o inquérito policial, a madrasta e o pai foram autores do assassinato, quando a primeira apertou o pescoço da menina até que ela desmaiasse e o segundo atirou a menina pela janela. Mas não é sobre isto que busco reflexão, pois este crime já está para lá de analisado por órgãos de imprensa.
A questão aqui em tela é a forma como a imprensa tratou o caso. A Folha de S. Paulo veiculou, logo no início, cartas dos dois acusados se dizendo inocentes. Até aí tudo bem, já que é importante veicular todos os lados de uma história. Depois o Fantástico veiculou uma entrevista com os dois, também aceitável, já que o inquérito policial estava em andamento e não havia conclusão alguma naquele momento.
A espetacularização reinou, até desrespeitando a dor da família de Isabella. Na Rede TV, na Bandeirantes, na Record. Nestes canais eu pude presenciar os momentos de especulação, consulta a especialistas, repetições incessantes da fachada do edifício onde ocorreu o crime, com imagens da reconstituição. As TVs abusaram de tal maneira que nem as pessoas que gostam desse escracho suportavam mais.
Para terminar o show, pelo menos por hora, a Rede Globo conseguiu uma entrevista exclusiva com a mãe de Isabella, aquela a que me referi no parágrafo inicial. Apesar de bem conduzida, com sensibilidade e respeito, a entrevista abusou de táticas jornalísticas que só servem para aumentar o faturamento das empresas de comunicação.
Uma mãe estraçalhada pela dor de perder a filha brutalmente esteve na tela da Globo por meia-hora ou um pouco mais, falando sobre o impacto da perda e a surpresa de quem são os assassinos. Agora uma pergunta: Por que no dia das mães? E na hora de dormir. Jogada de marketing. Mas marketing é jornalismo?
O gancho seria sensacional caso se tratasse de uma assessoria de imprensa, quando divulga um evento ambiental no Dia da Árvore, buscando cobertura jornalística sobre o tema. Mas causar esse sentimento terrível de dor em todas as mães do Brasil em prol de audiência é muito complicado.
Enfim, poucas vezes se viu uma imprensa tão democrática. Todo mundo falou, todo mundo se manifestou. O inquérito terminou e os suspeitos foram indiciados, com julgamento a perder de vista. A pergunta é: Por que tornar tal crime um espetáculo? A imprensa segue não resistindo às regras mercadológicas, que ultrapassam qualquer limite de sensibilidade pública. Será que tudo isso era necessário? Creio que não. |
As análises comunicacionais deste crime perverso devem estar sendo muito bem aproveitadas nas faculdades de jornalismo do país, a tirar pelas pesquisas em sites como "Observatório da Imprensa" entre tantos outros. Lamentavelmente, essa é a cara do jornalismo hoje. A comunicação deixou de ser o material primordial das publicações dando espaço para as milhares de informações que circulam no nosso dia-a-dia e que não sacia o nosso saber, nosso entendimento. É incrível, mas, muitas vezes vamos dormir sem saber direito o que aconteceu no dia de hoje. Mas lembramos de Isabella e até rimos de Ronaldo. A imprensa deveria ter como lema o velho ditado "água mole em pedra dura tanto bate a té que fura". Quando os canais querem mostrar que suas coberturas de um fato são as melhores não interessa se vão magoar alguém, se vão massacrar, exaltar ou seja lá o que for. Sei que agora os alvos das entrevistas são os parentes dos presos que estão nas mesmas casas de detenção do pai e madrasta da menina.
No mundo perdido já de tantas críticas, resta elogiar o trabalho da Patrícia Poeta e equipe porque, ao menos, não fizeram da entrevista uma idiotice como a que foi comandada por Britto Junior e pelo projeto de modelo-apresentadora-dançarina-dona-de-casa-etc, Ana Hickmann ontem na Record. Tantas perguntas idiotas e um ar, por parte de Hickmann, de amiga solidária da Ana Carolina Oliveira.