Foto de Eliezer Vitorino - Primeira página de hoje, 18/01/08 Desde jovem, debruçado nos livros de História do Brasil, você se acostuma a ouvir o termo “Belíndia”, em que se tenta demonstrar que o Brasil possui um lado Bélgica, teoricamente próspero e rico, e um lado Índia, que seria pobre e descamisado. Conceito errado e enganador. Se o Brasil fosse dividido em 10 partes, 9 seriam “Índia”. O nome do país é Brasil. E o problema de todos nós, principalmente os instruídos, é querer ser algum outro lugar. Na edição de hoje, 18/01/2008, nº 28.779, do jornal Folha de S. Paulo, a primeira página cumpre essencialmente o que se chama de jornalismo em um país paupérrimo como é o Brasil, com duas fotos. No centro da página, uma foto da favela do Vietnã, na zona sul de São Paulo, onde moradores tentam, entrando em um rio completamente poluído, buscar água com baldes para apagar o incêndio de ontem que destruiu 41 casas e deixou cerca de 200 desabrigados, segundo a Folha. A maioria negros e com roupas esfarrapadas. Logo acima, em um tamanho bem menor, a foto de uma modelo branca, loira, com uma roupa impecável, desfilando em uma semana de moda que acontece na mesma cidade da tragédia na favela. Outro ponto interessante do jornalismo praticado nesta página é que a manchete principal fala dos EUA, medidas do presidente norte-americano para evitar uma possível recessão econômica. Cave na sua consciência... qual é o símbolo de prosperidade mundial? E também de maior resistência e repúdio? Isso mesmo. O chamado “american way of life” (que seria “jeito americano de viver”). É lamentável que, ao abrir o jornal e procurar as matérias dentro desta edição, percebe-se que o material jornalístico produzido sobre a favela ocupa um pé de página e a semana de moda, em um material que mais parece publicitário, ocupa uma página inteira, com várias fotos. Há um momento de crítica, o que prova que a Folha é capaz de fazer jornalismo interessante, como na primeira página desta mesma edição: um quadrinho azul, no pé da página sobre a moda, em que se demonstra como é mínimo o número de negros ou negras em desfiles. O resultado é fruto da observação de quatro desfiles e aponta que 108 brancas e duas negras passaram pela passarela. Acreditem: duas negras em um universo de 110 modelos. Sem tapar o sol com a peneira, é plenamente conhecido que os grandes jornais, e os pequenos também, reservam boa parte de seus espaços em troca de vantagens ou anúncios caros. Por se tratar de uma questão econômica, não tenho como julgar méritos. Só posso analisar que o jornalismo feito na primeira página, onde a questão da publicidade não conta muito, foi tecnicamente perfeito. O Brasil é um país de mentira. Vivemos na ilusão de que a vida está melhorando, de que o povo está ascendendo, quando na verdade a classe média é que está se encolhendo. A violência, a pobreza e a falta de instrução não são combatidas. O governo é completamente omisso e a sociedade também. A mania do jornal O Globo agora é mostrar artistas que são assaltados e se dizem indignados: “Meu Deus, como podem atacar meu BMW blindado?” E é assim que o abismo aumenta cada vez mais... E o Brasil vai se consagrando na “terra onde tudo dá”... errado. Até quando o país vai querer sobreviver de imagens? Até quando semanas de moda serão custeadas enquanto favelas queimam nas chamas do descaso? Enfim, até lá, as mesmas modelos, produtores e artistas, jornalistas, advogados e médicos, pedreiros, empregadas domésticas e mecânicos continuarão sendo assaltados, mortos ou violentados para que o país sustente falácias sobre sua imagem.
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